portfólio

serumanus-Outro | 2010 – 2011

 


o ser mesmo traz consigo a vergonha, a vergonha de ser

nas necessidades fisiológicas e na náusea, fazemos a experiência da nossa revoltante e, no entanto, inevitável presença a nós mesmos

a absoluta incapacidade de romper consigo próprio

estar pregado a si mesmo

impossibilitado de fugir

de esconder-se de si mesmo

isso é vergonhoso

há algo de asqueroso em nossa mais íntima intimidade

quem experimenta esta sensação de asco, de algum modo reconheceu-se no objeto de sua repulsa, e teme, por sua vez, ser reconhecido por este

o fato de já não ser meu tudo o que me é absolutamente próprio

ser entregue a um inassumível

eu é um outro, e este outro me envergonha

não posso assumi-lo como sendo eu

é a nossa intimidade, a nossa presença a nós mesmos que é vergonhosa

a vergonha não desvela o nosso nada

mas a totalidade da nossa existência

o que é inassumível, não é algo exterior, mas provém da nossa própria intimidade

aquilo que em nós existe de mais íntimo

não é vergonhoso ser abusado sexualmente, mas é vergonhoso sentir prazer ao ser abusado

o prazer inassumível na auto-afeição

ser sujeitado e ser soberano

a vergonha é o sentimento fundamental do ser sujeito

sujeito ativo/ sujeito passivo

deste duplo movimento de auto-afeição do ser, o que resta é o eu, a subjetividade

que encontra em sua intimidade uma subjetivação e uma dessubjetivação

ver e ser visto

assistir ao próprio ser sendo visto

ser tomado como testemunha do que se olha

ver significa também penetrar

vocês estão se vendo?

‘eu falo’

não há um correspondente em carne vivente com este ‘eu’

há apenas a realidade do discurso

e um abismo

entre o ser vivente

e o ser falante

quem diz é sempre um outro

e este outro não tem o que dizer, não tem a experiência de estar vivo, não sabe

e este que vive está impossibilitado de falar

quando se arrisca a falar, imediatamente desintegra-se no discurso dando lugar a um outro, ao ‘eu’

a subjetividade, a consciência em que a nossa cultura pensou ter encontrado o seu mais sólido fundamento, repousa sobre o que há de mais frágil e precário no mundo: o acontecimento da palavra

o homem tem lugar na fratura entre o ser que vive e o ser que fala, entre o não humano e o humano

o homem tem lugar no não-lugar do homem, na frustrada articulação entre o ser que vive e o ser que fala

o homem é o ser que falta a si mesmo

o indestrutível que pode ser infinitamente destruído

‘o homem é o que sobrevive ao homem’

eu habito a recôndita ontologia vergonhosa do humano

sou o ponto de fuga

o olho do sujeito